Depressão ou depressividade?
Existem algumas divergências entre a psiquiatria e a psicanálise, para falar sobre a depressão, principalmente conceituais e teóricas.
Para a psicanálise não existe estrutura psíquica que não tenha passado pela experiência do desamparo, ou seja nenhum ser humano fica ileso desta experiência. Desta forma, o termo mais adequado seria depressividade, pois todos nós somos passíveis de senti-lo. Não existe, portanto, um “ser” deprimido, mas um “estar” deprimido. A depressividade é uma forma de funcionamento do psiquismo humano, que leva em conta a experiência singular de cada pessoa.
Para a psiquiatria a depressão é considerada doença; para a psicanálise a depressão não é doença, mas uma manifestação de um “mal estar” no ser humano que lhe confere muita dor e sofrimento emocional e físico, que necessita de tratamento psicológico.
Os manuais de psiquiatria ao catalogar e classificar os sentimentos e comportamentos humanos, propõem quadros psicopatológicos através de uma compilação de sintomas que limitam demasiadamente o diagnóstico. Desconsidera os aspectos subjetivos, individuais do sentir de cada pessoa e não os aprofunda, fica só no “aparente”, o que nem sempre reflete a verdade. Ao fazer isso coloca-se um rótulo na pessoa e pode ocorrer uma banalização do diagnóstico de depressão.
Sintomas da depressividade
Na prática clínica observamos alguns sintomas comuns da depressividade que podem muitas vezes se agravar mesmo com o uso de medicamentos.
Importante salientar novamente que é necessário levar em consideração não só os sintomas, mas também os aspectos subjetivos de cada pessoa para fazer um diagnóstico adequado.
Os sintomas são:
Humor depressivo, tristeza quase todos os dias ou irritabilidade;
Anedonia (desinteresse e falta de prazer em realizar atividades do dia-a-dia);
Perda ou aumento do apetite e do peso não intencional;
Insônia, aumento do sono (dorme demais e mesmo assim fica com sono o tempo todo), despertar matinal precoce (geralmente 2 horas antes do horário habitual);
Agitação ou apatia psicomotora quase todos os dias;
Fadiga ou falta de energia;
Indecisão e interpretação distorcida da realidade;
Sentimentos de medo, insegurança, desesperança, desamparo, vazio;
Sentimentos de culpa permanente e inutilidade;
Pessimismo, baixa autoestima, fracasso, falta de sentido na vida;
Dificuldade de concentração e raciocínio mais lento;
Falta de desejo sexual e diminuição no desempenho sexual;
Dores e outros sintomas físicos não justificados por problemas médicos;
Pensamentos recorrentes de suicídio ou morte;
Depressividade como sintoma social
Pesquisas revelam que cerca de 8% da população mundial sofra desse mal e que 10% a 20% ainda serão vitimadas por ela. Até o ano de 2020, a depressão/depressividade terá se tornado a segunda causa de morbidade no mundo industrializado, precedida apenas pelas doenças cardiovasculares.
O enorme aumento na atualidade nos casos de depressividade nos países ocidentais denunciam dois aspectos importantes:
O primeiro aspecto diz respeito ao forte apelo da indústria farmacêutica em divulgar técnicas de diagnóstico que incitam a população a utilizar antidepressivos, muitas vezes de forma abusiva.
O segundo aspecto refere-se ao fato de vivermos numa sociedade que renega manifestações de tristezas, onde a dor de viver são intoleráveis. Portanto, ao sentenciar a tristeza como “doença” perdemos um importante conhecimento sobre nossa própria dor e a oportunidade de crescimento e amadurecimento como seres humanos. Ao medicar a tristeza perdemos o tempo necessário para superar a dor do luto e construir novos parâmetros de vida.
Nenhum medicamento vai elaborar angústias; este sim é apenas um paliativo, mais uma ferramenta utilizada no caso de uma situação mais aguda em que o sujeito encontra-se incapacitado (inclusive de se locomover). Ainda assim, o ideal seria utilizar essa medicação apenas por um tempo, diminuindo gradativamente conforme a psicoterapia avançasse.
O estilo de vida contemporâneo não permite que as experiências subjetivas sejam internalizadas e elaboradas; o resultado deste fenômeno reflete-se em pessoas vazias de conteúdo e sem referências duradouras onde possam identificar-se. Neste cenário o sentimento de desamparo e insegurança ganha espaço, pois nada é sólido e permanente por muito tempo.
Na sociedade atual as pessoas estão sempre apressadas, correndo contra o tempo e quanto mais correm, mais alienadas ficam em relação aos seus próprios sentimentos, culpas e emoções. Buscam soluções rápidas e indolores e assim pensam encontrar na medicalização a solução para o seu problema. Pode até ocorrer um certo alívio de seus sintomas manifestos, mas o uso prolongado e abusivo dessas medicações acabam por produzir novos sintomas físicos e psicológicos levando a pessoa a sentir-se mal novamente.
A necessidade de cumprir certos padrões ditos como ”normais” numa sociedade que divulga a todo momento uma felicidade obrigatória, traz como consequência uma cobrança difícil de ser posta em prática. Vive-se mais de “aparências” do que de realidade. As redes sociais estão aí para garantir isso.
Se antigamente existia a dicotomia ser x ter, atualmente a dicotomia é ter x parecer. Mais do que ter, o importante é parecer ter, parecer ser. O resultado é uma vida artificial e com pouco espaço para dividir sentimentos genuínos. As pessoas sofrem escondidas, isoladas em si mesma.
A psicoterapia caminha na contra mão disso. Na dor sofremos sozinhos. Ao dividir essa dor com alguém, ela se transforma em sofrimento e torna-se mais leve. Ao re-significar este sofrimento o sujeito cresce como pessoa e amadurece.
Somente através do processo psicanalítico é que o “depressivo” poderá entender os motivos que o levaram a desenvolver essa forma de existir. O sintoma é a expressão de algo que não está bem no sujeito e precisa ser elaborado, simbolizado, conscientizado para que este possa viver livremente de verdade.
Referências:
Delouya, Daniel; Depressão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
Freud, Sigmund (1917); Luto e melancolia. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XIV.
Kehl, Maria Rita; O tempo e o cão: a atualidade da depressão. São Paulo: Boitempo, 2009.
Tavares, Leandro Anselmo Todesqui; A depressão como mal-estar contemporâneo: medicalização e (ex)-sistência do sujeito depressivo. São Paulo, Unesp, 2010.