O suicídio caracteriza-se por uma auto eliminação consciente de si próprio, de forma voluntária e intencional. Mas, se pensarmos de forma mais abrangente, o suicídio engloba processos autodestrutivos inconscientes, lentos e crônicos.
Devemos levar em conta aspectos atuais e externos da vida da pessoa (ou seja fatos que não dependem dela), aspectos internos (sua história de vida e transtornos mentais preexistentes) e o contexto sociocultural do ato. Mas, antes de tudo, o suicídio é uma forma que a pessoa encontra para lidar com seu sofrimento quando viver lhe parece insuportável.
Ao pensarmos sobre o ato suicída ou sua tentativa, percebemos o quanto isso afeta as pessoas envolvidas, além do próprio suicída. Seus familiares, amigos, colegas de trabalho, de escola, etc; todos são afetados de alguma forma por sentimentos de culpa, medo, vergonha, tristeza, raiva.
O comportamento suicída é a manisfestação de uma dor psicológica insuportável. Existem algumas formas de proteção contra o desejo de abreviar a vida, como vínculos afetivos bem cultivados, ter um bom relacionamento com a família, ter filhos, ter uma crença espiritual, ter uma vida financeira estável e sentir-se realizado profissionalmente, por mais simples que seja a ocupação.
Não é dificil entender, portanto, como as pressões da vida cotidiana conduzem ao comportamento suicída. O imediatismo aumenta a frustração. Por outro lado a família está mais fragmentada e os relacionamentos amorosos duram menos. Tudo isso abala a estabilidade emocional.
Estatísticas e pesquisas sobre o suicídio
De acordo com os dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) cerca de 3.000 pessoas cometem suicídio no mundo por dia, isto quer dizer que a cada 40 segundos uma pessoa põem fim à própria vida.
Pesquisas revelam que o suicídio corresponde a uma das 3 principais mortes em pessoas com idade entre 15 e 44 anos, sendo também a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 19 anos. Os mais vulneráveis são os jovens, os mais idosos e os socialmente isolados, como a população indígena. Os números são alarmantes e revelam a necessidade de medidas preventivas e um maior entendimento de toda sociedade sobre esse mal que tem vitimado tantas pessoas.
O Brasil apresenta um índice global de suicídio de 4,6 casos em 100.000 habitantes. No entanto, o Rio Grande do Sul apresenta um índice de 9,8 casos em 100.000 habitantes, ou seja, o dobro. Portanto, é fundamental programas de prevenção que considerem o modo de vida, características e culturas de cada região do Brasil.
Nos últimos anos vem crescendo também o número de suicídio entre adolescentes e crianças. Verificou-se que entre os jovens o estilo de vida nas grandes cidades (marcado pela dificuldade de expressar sentimentos verdadeiros frente à uma exibição, na maioria das vezes, falsa de felicidade), gera sentimentos de inadequação e dificuldade de adaptação. A exigência de um padrão em um mundo “tão feliz”, onde não cabe tristeza, onde não cabe o diferente, provoca no jovem um sentimento de fracasso, de solidão e um vazio existencial.
O risco de suicídio também é grande entre os jovens com maior suceptibilidade à rejeição e menor capacidade de suportar frustrações, principalmente, se houver associação ao uso abusivo de álcool, drogas, problemas com a justiça e perda dos pais precocemente.
Estudos mostram que os homens cometem mais suicídios efetivamente, na maioria das vezes motivados por uma menor tolerância à frustração. Outro fator é que os homens tem dificuldades em assumir determinados sofrimentos psíquicos, por associá-los à fraqueza, transformando-os com o tempo em questões mais complexas, tornando o sofrimento mais dificil de superar.
Já as mulheres apresentam um maior índice de tentativas de suicídio. Geralmente usam metodos menos violentos, e portanto, menos letais. No entanto, é fato que em uma sociedade claramente machista como a nossa, em que uma grande parcela da população feminina vive situações de exploração, opressão e de degradação, as tentativas de suicídios denunciam as condições de vida, as relações dessas mulheres com a sociedade e seu sofrimento.
Em alguns países como a Suécia, Hungria e Japão apresentam altos índices de suicídio, muito provavelmente por causa da educação mais rigorosa e à repressão das emoções. Atualmente a maior causa de suicídio no ocidente está relacionada à solidão e ao sentimento de irrelevância social.
Pessoas mais solitárias como os solteiros, viúvos ou divorciados também apresentam maior vulnerabilidade para cometer suicídio.
Com relação à profissão, os médicos possuem um maior risco de suicídio, devido ao nível de stress por terem de tomar decisões rápidas de grande responsabilidade e o fácil acesso aos medicamentos facilitam a ingestão numa dose mortal.
No quadro das doenças psiquiátricas, a melancolia configura o maior índice de suicídios. Porém, observamos que nem todo deprimido se suicida e nem todas as pessoas que cometem suicídio possuem depressão. Desta forma, conclui-se que a depressão é um fator de risco, não a causa do suicídio.
Já o suicídio na infância merece uma atenção especial. Isto porque, sendo a criança um ser em desenvolvimento, sua capacidade de compreender as coisas em sua volta é diferente, sua capacidade de dissernimento, vontades e percepção da consciência de si mesma e do outro também. Nem sempre a criança tem um conceito formado sobre a morte e sua irreversabilidade.
Por não avaliar corretamente uma situação por medo de uma retaliação dos pais, por medo de decepcioná-los e/ou perder o amor dos mesmos, a criança acaba tomando uma atitude autodestrutiva. O resultado pode variar desde o suicídio propriamente dito, até danos à sua saúde de forma permanente. Muitas vezes ela não possui a intenção de se matar, mas, sua inaptidão e falta de conhecimento sobre meios e técnicas, terminam por levá-la à um final desastroso, tirando-lhe a própria vida.
Por outro lado, também, não podemos esquecer que crianças que vivenciam situações de violência física e/ou psicológica, procurem na morte alívio imediato para seu sofrimento. Os efeitos maléficos de abusos e humilhações podem levá-las a tentar se matar.
A Motivação Para o Suicídio
A motivação para o suicídio possui várias fontes, totalmente diversas. Para alguns o suicídio pode representar:
° Um outro tipo de existência, onde a morte não tem a conotação de fim, mas, uma transição para um estado mais prazeroso.
° Fantasia de libertação, de fugir de uma situação penosa e intolerável.
° Ato de rebeldia de alguém que sempre adotou uma postura passiva perante a vida.
° O suicídio é visto como um ato de coragem, diante de uma vida de fracassos.
° Fantasias de reencontro com entes queridos.
° Desejo de controlar a própria morte e sair de um estado no qual se sente impotente.
° Julgar os atos dos outros e responsabilizá-los pela sua desgraça.
° Idéias de sacrifício, onde o suicídio visa aliviar a carga dos outros.
° Vingança, em que devolve o sentimento de rejeição e abandono que sente, culpando o outro por seu ato.
O Tratamento Psicológico
O atendimento psicológico à pacientes que tentaram o suicídio envolve compreender as motivações que os levaram à isso, que podem ser diversos, como vimos acima. É extremamente importante cuidar dessas pessoas que pedem ajuda, pois quem tentou o suicídio uma vez, tem grandes chances de repetir o ato novamente de forma mais letal e eficaz. Na terapia o paciente terá a possibilidade de expressar seus sentimentos, compreender melhor suas atitudes, melhorar sua autoestima, apoio de valores pessoais e consequentemente estabelecer novas relações com o mundo a sua volta.
A manifestação do desejo de morrer, independente da idade, deve sempre ser considerada e levada a sério. Deve-se acolher e discutir tal questão com a pessoa e buscar auxílio especializado.
Mitos sobre o suicídio
- A pessoa que fala sobre suicídio não fará mal a si própria, apenas quer chamar a atenção. Falso
– Todas as ameaças devem de ser encaradas com seriedade. Muitos suicídas comunicam previamente a sua intenção;
O suicídio é sempre impulsivo e acontece sem aviso. Falso
– Apesar de muitas vezes parecer impulsivo pode obedecer a um plano e ter sido comunicado anteriormente;
Os indivíduos suicídas querem mesmo morrer e estão decididos a matar-se. Falso
– A maioria das pessoas que se suicida conversa previamente com outras pessoas ou liga para uma linha de emergência, o que mostra a ambivalência que subjaz ao ato suicída;
Quando um indivíduo mostra sinais de melhoria ou sobrevive a uma tentativa está fora de perigo. Falso
– Na verdade, um dos períodos de maior risco é o que surge durante o internamento ou após a alta. A pessoa continua em risco;
A tendência para o suicídio é sempre hereditária. Falso
– Há ainda dúvidas acerca desta possibilidade. Contudo, uma história familiar de suicídio é um fator de risco importante, particularmente em famílias onde a depressão é comum;
Os indivíduos que tentam ou cometem suicídio têm sempre uma perturbação mental. Falso
– Os comportamentos suicídas têm sido associados à depressão, abuso de álcool e outras substâncias psicoativas, esquizofrenia e outras perturbações mentais. A proporção relativa destas perturbações varia de lugar para lugar, havendo, todavia, casos em que nenhuma perturbação foi detectada;
Se alguém falar sobre suicídio com outra pessoa está transmitindo a idéia de suicídio a essa pessoa. Falso
– Não se causam comportamentos suicídas por se falar com alguém sobre isso. Na realidade, reconhecer que o estado emocional do indivíduo é real e tentar normalizar a situação induzida pelo stresse são componentes importantes para a redução da ideação suicída;
O suicídio só acontece aos outros. Falso
- O suicídio pode ocorrer em todas as pessoas, independentemente do nível social ou familiar;
Após uma tentativa de suicídio a pessoa nunca mais volta a tentar. Falso
- Uma pessoa que tem uma tentativa prévia apresenta um risco aumentado para o suicídio;
As crianças não cometem suicídio. Falso
- As crianças podem cometer suicídio e qualquer gesto, em qualquer idade, deve ser levado a sério.
As pessoas cometem mais suicídios durante o inverno. Falso
- Em todo o mundo, os suicídios são mais frequentes na primavera e no verão.
Referências bibliográficas:
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