A violência doméstica contra crianças e adolescentes acontece em todas as classes sociais e baseia-se em um processo em que os transformam em objeto de maus tratos.
Caracteriza-se num abuso do poder disciplinador e repressor dos pais ou responsáveis, impondo maus tratos e transformando a vítima em simples objeto submisso. Tal violência ocorre dentro da esfera familiar, o que denota o caráter íntimo e privado, dificultando muitas vezes o conhecimento de outras pessoas.
O processo de vitimização pode se prolongar por vários meses e até anos e configura uma violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente enquanto pessoas, e, assim, as privam de seus direitos fundamentais como a vida, a liberdade e a segurança.
A questão da violência física como forma disciplinadora está enraizada em nossa cultura há muito tempo, principalmente nas gerações passadas, que acreditavam na violência como a única forma de punição de um erro. Até o inicio do século XX fazia parte inclusive do processo educacional nas escolas, que foram gradualmente substituídos por novos conceitos psicopedagógicos. Muitos pais desconhecem outra forma de criação de disciplina e repetem a mesma educação que tiveram dos pais.
Tipos de violência
As principais formas de violência doméstica são: violência física, violência sexual e violência psicológica.
A violência física acontece quando a força física é utilizada como forma de disciplinar um filho por parte dos pais ou responsáveis. Isto pode incluir desde simples palmadas até o uso de pauladas, cintos, chinelos, cabo de vassouras, fios elétricos, mangueiras de borracha, régua, socos, pontapés, barras de ferro, pedras, queimaduras, facas e até armas de fogo.
A violência sexual corresponde a todo jogo ou ato sexual, heterossexual ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por propósito a estimulação sexual da criança e utiliza-la para obter prazer sexual a si próprio ou de outra pessoa.
O agressor pode ser parentes adultos (pai, mãe biológicos, irmãos, avós, tios, primos, etc.) ou afinidade (padrasto, madrasta, etc.) ou responsáveis (tutor, padrinho, madrinha, etc.).
Este tipo de violência tem características incestuosas uma vez que o agressor tem um vinculo de responsabilidade e confiança para com a criança e adolescente e que cuja relação sexual seja interditada por lei ou costumes culturais. De qualquer forma, em nenhuma hipótese a criança e adolescente é colocada como RÉUS.
Os tipos de violência sexual são: estupro, sedução, atentado violento ao pudor, corrupção de menores e lenocínio (prática criminosa que explora, estimula ou facilita a prostituição).
A violência psicológica ocorre com mais frequência se comparada às demais violências, no entanto, é pouco diagnosticada por ter um caráter mais subjetivo. Caracteriza-se por:
Rejeição (não reconhece as necessidades e importância da criança).
Isolamento (impedir a criança de fazer amizades, induzindo-a a acreditar que está sozinha no mundo).
Aterrorizar (ataques verbais, produzindo medo e terror, induzindo-a acreditar que o mundo é hostil).
Ignorar (a criança é privada de estimulação, impedindo seu desenvolvimento intelectual e emocional).
Corromper (estimular e reforçar o engajamento da criança em atos antissociais).
Negligência
Quando ocorre omissão na promoção das necessidades básicas, físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Tipos de negligência: abandono material, abandono intelectual e entrega do filho menor à pessoa idônea.
Consequências psicológicas
A violência física apresenta consequências psicológicas variadas, dentre elas: sentimentos de raiva, de medo quanto ao agressor, dificuldades escolares, dificuldade em confiar em outras pessoas, autoritarismo, delinquência, violência doméstica (agressão vivida torna-se modelo de agressão contra outros adultos amados, especialmente esposas, maridos, amantes), parricídio e matricídio, refúgio no abuso de drogas, depressão e a aparição de personalidades múltiplas em alguns casos.
Já as vítimas de violência sexual doméstica podem enfrentar dificuldades emocionais, sexuais e no relacionamento social. É comum sentimentos de culpa, de autodesvalorização, depressão, podendo levar muitas vezes ao suicídio. Os problemas de relacionamento social são permeados por sentimentos contraditórios em relação aos agressores (raiva, medo, amor). Também podem apresentar timidez e medo das pessoas. Na esfera sexual podem mostrar dificuldade de se relacionar com homens, promiscuidade e prostituição, como forma de autoagressão.
Na violência psicológica pode ocorrer uma incapacidade para aprender, de construir e manter uma relação interpessoal satisfatória, comportamentos e sentimentos inapropriados frente a situações normais, humor infeliz ou depressivo, insegurança, baixa autoestima, mau rendimento escolar, ansiedade, transtorno de stress pós-traumático, tentativas de suicídio. Muitas vezes, a criança / adolescente é vitima de bullying na escola ou na comunidade, como também, pode transgredir normas e vivenciar violência no namoro.
A família abusiva
Todas essas consequências referentes à violência doméstica estão presentes na família abusiva, descrita como uma ditadura familiar, cujo chefe exerce sobre os demais integrantes um poder ilimitado decorrente das ameaças, torturas (físicas e psicológicas) e segredos bem guardados com a conivência de todos ou quase todos.
O funcionamento da família abusiva basicamente se dá por:
Despotismo: poder arbitrário de um único autor (geralmente o pai ou seu substituto) sobre os demais, prevalecendo exclusivamente sua vontade, seu prazer e necessidades.
Falta de limites: não existem limites entre gerações, ocasionando inversão de papéis com a criança e adolescente, forçados a “cuidar” dos pais; invasão na intimidade dos mais fracos, desrespeito e violência.
Confusão de discursos: a criança pede carinho e recebe sensualidade; pede proteção e recebe abuso; pede respeito e recebe coação, chantagem e humilhação. Muitas vezes acompanhada da frase “É para o teu próprio bem!”.
Toxidade: este tipo de família é tóxica para seus membros, um vício que aprisiona tanto a criança /adolescente vítima e seu agressor num circulo permanente de degradação.
Neste tipo de família não há vencedores, somente vítimas em graus diferentes. Por isso mesmo são necessárias intervenções psicológicas como a terapia familiar, conjugadas muitas vezes com atendimento psicológico individual.
Embora as psicoterapias sejam fundamentais, paralelamente também são importantes as medidas judiciais e socioculturais através de um plano articulado de intervenções na ajuda a essas famílias.
Em 1990, foi promulgada o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) como resultado de movimentos, visando a proteção da criança e do adolescente.
Artigo 5º do ECA:
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
Atualmente, muitos grupos, como o CRAMI (centro regional de atenção aos maus tratos na infância), em São Paulo, também atuam com essa finalidade, além de desenvolver ações preventivas.
O problema da violência de uma forma geral está bem presente em nossa sociedade atualmente e requer de todos nós um enfretamento, seja através de medidas protetivas, seja através de discussões e entendimento sobre sua causa e efeito.
Referências Bibliográficas:
Azevedo, M.A; Guerra, V. N. A; Infância e violência doméstica: perguntelho- São Paulo: IPUSP/Laboratório de Estudos da Criança, 1994.
Estatuto da criança e do Adolescente – ECA, 1990.
Site: www.crami.org.br
Garbarino J, Guttamann E, Seeley JW. The psychologically battery child. San Francisco: Jossey-Bass Publishers; 1986.